domingo, 31 de janeiro de 2016

GUIA DE GASTRONOMIA PÓS-APOCALÍPTICA: MACARRÃO AGLIO e OLIO

Atenção: Dado à chuva que ocorreu em Porto Alegre no dia 29 de Janeiro, interrompemos a nossa programação de verão sobre Lagosta para um informativo especial sobre como sobreviver num cenário pós-apocalíptico. 


Porto Alegre encontra-se em um cenário de caos. Até a tarde do dia 31, boa parte da cidade está sem água e luz, mesmo dois dias depois do evento - que agora está se descobrindo, pode muito bem ter sido um tornado. Foi com grande tristeza que andei ontem pelo Centro e Menino Deus vendo centenas de árvores quebradas, postes torcidos, casas e postos de gasolina destelhados. O Corpo de Bombeiros da Praia de Belas sofreu vários danos com queda de árvores e estruturas - justamente os heróis do dia a dia que são a primeira frente de combate nesse tipo de tragédia. 
Sem piadas aqui, essa é uma imagem muito triste
para todos que conhecem o Parque Marinha.

Por sorte, até o momento não foi registrada nenhuma morte e esperamos todos que continue assim.

Essa peculiar situação levou Porto Alegre por dois dias a uma condição de trevas - sem luz, sem água e sem comida, já que muitas lojas fecharam as portas. Com geladeiras inutilizadas, centenas de litros de iogurte e algumas toneladas de carne, além daquele resto do almoço de sexta, completamente estragados.  E quem estava com a geladeira e a casa desabastecida, como eu, encontrou restaurantes próximos e o supermercado Zaffari da Fernando Machado fechados, coisa que aconteceu apenas... nunca. Aquele supermercado nunca fechou durante o dia em sua história. Como diria a nossa amiga e leitora assídua Juliana Brum, o fechamento do Zaffari foi o sinal mais claro do fim dos tempos que já acometeu essa nobre cidade. 

Pensando em cenários com esse, o D&G resolveu fazer esse pequeno post de utilidade pública, ensinando algumas dicas sobre como sobreviver em um cenário de apocalipse e como fazer uma receita simples e rápida que irá ajudá-lo a sobreviver sem o auxílio de uma geladeira. Vamos lá.

1. Nunca coma toda a sua comida. Todo cachorro come o máximo possível o mais rápido que consegue, basicamente porque foi instintivamente programado a isso por não saber quando será a próxima refeição. A dica aqui é simples: quando o Zaffari vai reabrir? Não sabemos. Quando a luz vai voltar? Não sabemos. Quando as primeiras hordas de canibais vão começar a varrer as ruas? É um mistério. Logo, deixe sempre uma refeição de saldo dentre as suas provisões. Tem 5 dentes de alho? Use no máximo 3. Tem 200 ml de azeite? Use apenas 100ml. Queijo parmesão especial? Use apenas o suficiente para a receita ficar boa.

Maçã: sabendo cortar, vira comida para a semana inteira. 

2. Aprenda a reconhecer e utilizar armas brancas na cozinha. Não me leve a mal, todos sabemos que em um cenário pós-apocalíptico devemos andar com uma pistola na cintura, no caso inevitável de ataques de zumbis, canibais ou vizinhos tentando roubar a sua água e comida pois o supermercado ainda não reabriu. Mas o que poucos lembram é que é necessário saber improvisar, especialmente porque uma pistola normal apenas carrega cerca de 10 balas (6 balas se for um revolver). Facas de cozinha e tesouras são opções óbvias, mas um pau de macarrão pode ser uma boa arma de impacto, assim como frigideiras e woks de cabo longo. Panelas em geral não têm aerodinâmica adequada para combate corporal então, evite-as. Algumas opções aparentemente óbvias devem ser repensadas: um garfo não tem capacidade de causar muito dano, no entanto uma colher de metal pode ser facilmente utilizada para remover o olho do adversário. Essa também é uma boa oportunidade para considerar a compra de um quebra-nozes.



3. Mantenha uma pequena horta. Um dos grandes problemas do apocalipse em outros tempos era a ausência de vitaminas essenciais garantidas por alimentos frescos. Tudo isso foi superado hoje em dia com o advento dos polivitamínicos, que qualquer sobrevivente do apocalipse deverá começar a estocar ao menor sinal do fim dos tempos. Outro problema, que resta a ser superado, é a falta de sabor nos alimentos. Assim, manter uma pequena horta com ervas como alecrim, tomilho, orégano, salsinha, cebolinha e manjericão é uma excelente forma de manter seus pratos bem temperados no caso do fim da sociedade ou de o Zaffari ficar fechado por mais de dois dias. 

Vivendo em uma sociedade pós-Zaffari.

4. Mantenha uma Korova bem alimentada e saudável. Essa é uma estratégia retirada diretamente dos tempos da União Soviética. Prisioneiros nas Gulags, em suas escapadas, faziam questão de levar consigo uma Korova, palavra que no sentido literal significa "vaca". Nestes casos, significava algum amigo gordinho e amistoso que era levado junto para ser sacrificado e canibalizado no meio do caminho, durante a travessia dos desertos gelados da Sibéria. Dentre as inúmeras vantagens de usar uma Korova ao invés de uma marmita, está o fato da Korova ajudar no planejamento e execução da fuga, além de ajudar a carregar suprimentos (já que a sua comida anda com as próprias pernas). Assim, mantenha um colega gordinho saudável e bem alimentado para o momento em que for necessário fazer um "churrasco com um amigo". Apenas tome cuidado, certifique-se de que não é você a vaquinha. 

"Como assim me comer? Isso não vai atrapalhar nossa relação?"

5. Aprenda os melhores cortes canibais. Essa é uma questão peculiar e muito importante. Se você tiver fogo para preparar o alimento, ótimo, use a sua imaginação e pense que a carne humana é, em muitas formas, similar à carne de porco. Lombo e coxa são boas pedidas, e reza a lenda que a carne da bochecha é um verdadeiro filé. Mas o real valor nutritivo do corpo humano está nos órgãos internos. Caso não tenha fogo para preparar alimentos, aposte nos rins, no coração, no cérebro e no fígado para se alimentar de outro ser humano com segurança. Além do que, basta um pouco de criatividade para transformar estes e outros órgãos em verdadeiros banquetes gourmet. Dica: assista a série Hannibal para sugestões de receitas.

Com um pouco de paciência e cuidado, uma Korova pode durar alguns meses.

Bom, depois deste curso rápido, vamos agora a uma receita simples e deliciosa para o pós-apocalipse: Macarrão Aglio e Olio (baseado em fatos reais).

Tempo de preparo: 25 minutos.
Rendimento: 2 porções.

Ingredientes
- 12 dentes de alho finamente fatiados na longitudinal (Lembre-se de sempre deixar alguns sobrando);
- 150ml de azeite (lembre-se: no pós-apocalipse, é importante armazenar energia corporal);
- 1 pimenta dedo de moça sem sementes picada ou 1/3 de colher de chá de pimenta calabresa desidratada, caso o Zaffari esteja fechado e você só tenha isso em mãos. 
- Sal a gosto
- 250g de espaguete 
- 3 colheres de sopa de salsinha ou manjericão picado (o que tiver na sua hortinha);
- Parmesão de boa qualidade ralado (parmesão de boa qualidade aguenta sem ficar refrigerado, shut up).

Como fazer?

- Cozinhe o macarrão previamente até estar al dente e escorra. Não deixe ficar completamente "pronto", posto que ele continuará a cozinhar por um tempo na panela com o tempero. 
- Em uma wok ou frigideira grande, coloque todo o azeite e espere esquentar. Coloque o alho fatiado. Deixe por uns 30 segundos, e coloque o sal e a pimenta de sua escolha. Mexa de vez em quando até o alho ficar em um tom levemente bronzeado.


- Desligue o fogo e coloque o macarrão na wok e o verde de sua escolha aos poucos, misturando bem com o alho. Não tenha tanta pressa, coloque o macarrão de pouco em pouco para misturar bem com o alho. 
- E esta pronto! Sirva com parmesão ralado por cima e se quiser comer algo beeem diferente, experimente espremer um pouco de limão siciliano por cima, fica um sabor muito interessante.

O meu nunca fica assim, mas fica sempre muito bom. 


domingo, 17 de janeiro de 2016

SAGA DA LAGOSTA #2 - RISOTO DE CAUDA DE LAGOSTA COM CALDA DE MARACUJÁ

Ah lagosta! Tão nobre crustáceo que saiu dos mares direto para os nossos sonhos. Com escala em nossos pratos.


O desafio imposto para esse post era escrever a receita fazendo algum paralelo com o filme Macbeth, baseado na peça homônima de um escritor inglês meio underground, você provavelmente nunca ouviu falar. 
Porque é assim que nós fazemos as coisas por aqui: quer saber? Vamos escrever uma receita envolvendo lagosta e Macbeth, porque acabamos de sair do cinema e o risoto estava muito bom; então, porque não? Parece lógico.
A espontaneidade é a alma do processo de criar novas receitas. Permita-me caminhar o prezado leitor pelo processo:
 "Vamos fazer algo com lagosta?" "Vamos! O que?" "Não sei, mas quero lagosta." "Que tal risoto!?" "Bom! Mas acho que não tem arroz arbóreo em casa." "Hummm, o que mais poderia ser então?" "Tem macarrão. Se não tiver arroz arbóreo rolava então um macarrão com lagosta?" "Sim!" "Tem arroz! Que tal usar um sabor mais frutado?" "Tipo o que?" "Não sei, algo para combinar com o leve adocicado da lagosta..." "Que tal maracujá?" "Maracujá rola!" "Mas não tem maracujá... só tem seriguela, pitanga ou cajá." "Vai com cajá mesmo!" "Peraí, achei maracujá!" "Bem na hora! Mas e aí, usar o maracujá como caldo?" "Sim, mas queria fazer algo diferente, para valorizar a fruta... que tal uma calda?" "Calda em risoto? Estranho... será que funciona?" "Vamos tentar!" "Ok, cadê o vinho branco?" "Xiiiii, não tem... tem só vodka." "Vai, esse parágrafo já está muito longo, vamos de vodka mesmo". 

E assim nasceu essa receita que, de improviso em improviso, ficou absolutamente espetacular. Descobrimos nesse dia que dá para hidratar risoto com vodka em caso de desespero, que uma calda pode subir um risoto de nível e apenas confirmamos que qualquer coisa com lagosta fica extremamente delicioso. 

Os leitores mais atentos devem estar se perguntando: e o que afinal tudo isso tem a ver com Macbeth? E eu lhes respondo: absolutamente nada, mas cumprimos o desafio de citar o filme por aqui e para mim isso já está bom o suficiente. E o filme não é nada demais.

I have no words. My voice is my sword... MOTHERFUCKER!

Tempo de preparo: 1h
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
- 1 maracujá;
- 3 dentes de alho;
- 1 cebola;
- 2 litros de fundo de legumes (cebola, cenoura, alho poró, um pouco de salsão, 1 alho, 1 pouquinho de alecrim e tomilho, uma folha de louro e um galho de salsinha - coloca os ingredientes com água fria até chegar perto de levantar fervura e depois deixe em fogo muito baixo por uns 30 min)
- 1kg de cauda de lagosta com casca (devidamente decapitadas);
- 200 ml de vodka;
- 1 e 1/2 xícara de arroz arbóreo;
- Manteiga para finalizar, normal ou clarificada (para os intolerantes);
- Pimenta do reino, sal e noz moscada a gosto;
- 1 colher de sopa de salsinha picada;
- 2 colheres de sopa de açúcar;

Como fazer?
1) Prepare um fundo de legumes e cozinhe as lagostas com casca mesmo por uns 2-3 minutos, retire-as em seguida. Tire-as das cascas e jogue as cascas de volta no fundo.
2) Faça um suco com meio maracujá e coe (a outra metade do maracujá deixe separada para dar um toque na calda); 
3) Separe o suco coado em 2 partes. 
4) Em uma segunda panela, refogue as cebolas e alho. Depois, coloque o arroz arbóreo, mexa um pouco e adicione a vodka. Mexa até secar e acrescente a metade do suco do maracujá. Ao secar, comece a usar o fundo de legumes + cascas para hidratar o risoto, adicione o fundo aos poucos e mexa sempre, até que fique al dente (isso ocorre cerca de 20 minutos após começar a colocar o suco). 
5) Em paralelo, corte-as em pedaços, coloque um pouco de sal e dê uma salteada nas lagostas em uma frigideira com manteiga. 
6) Depois, coloque as lagostas já salteadas na panela do risoto e misture bem. 
7) Para finalizar, acerte o sal e a pimenta e inclua nós moscada e a salsinha. 
8) Mais em paralelo ainda, em outra panelinha, você vai colocar a outra metade do suco de maracujá que separou e aquela metade do maracujá, que tá com suas sementinhas inteiras, uma colherinha de manteiga e o açúcar. Mexa bem e deixe em fogo médio por uns 5 min após ferver. 
9) Acrescente o amido de milho diluído até atingir ponto de calda. 

Sirva a calda junto com o risoto, you will not regret!      

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

SAGA DA LAGOSTA #1 - LAGOSTA GRELHADA COM MOLHO DE MANTEIGA


Uma vez a cada 57,5 luas minguantes somos brindados com exemplos extraordinários da força mística que constrói coisas belas. Há alguns que chamam de Deus, outros de Allah, alguns creem ser Arceus, Odim, o poder da natureza, Papai Noel ou, simplesmente, A Força. Chame como quiser, mas é fato que há um poder misterioso que intervém no universo disseminando a paz e a alegria para os homens de boa vontade. Isto pode se manifestar de muitas formas: como uma pessoa que te cede a frente em um trânsito caótico; quando um desconhecido faz um esforço para segurar a porta do elevador ao te ver chegando; ou quando alguém infinitamente mais necessitado que você paga a sua passagem de ônibus em Cuba porque a sua menor moeda é 40 vezes o valor da passagem e o motorista não tem como aceitá-la. Às vezes, estas representações podem parecer muito simples e esta entidade superior resolve provar sua existência te presenteando espontaneamente com 8kg de lagosta em pleno aeroporto. Cauda de lagosta, o que funkeiros em geral e Mr. Mix-a-lot concordam ser a melhor parte. 

"I like big butts and I cannot lie! You other brothers can't deny!"


Você leu certo. Oito quilos, 8000g caso não tenha ficado claro, ou o suficiente para alimentar um turista americano que goste de lagosta por 3 dias inteiros. 

Esses nobres crustáceos congelados e sem cabeça cruzaram o nosso caminho graças à benevolência de estranhos, que devido a incapacidade de prosseguirem viagem em posse destas adoráveis criaturas, nos ofereceram para abrigá-las em nossos estômagos com a condição de que fizéssemos bom uso culinário dos órfãos e postássemos os resultados no blog. De graça. Como uma doação. For Free. 0800. 

Isso não é um simples encontro fortuito, uma feliz coincidência. Mas um gesto de bondade e magnanimidade que ultrapassa o tempo e o espaço e une toda a humanidade em um momento de compaixão. Isso não se trata simplesmente de alguns quilos de proteína animal extremamente deliciosa. Isso é uma força maior, um espírito superior, falando conosco através de lagostas. Sem cabeça. Um verdadeiro milagre de Natal (isso não poderia ocorrer em Porto Alegre!).

É preciso dizer, estamos no meio da época do defeso da lagosta, que é algo EXTREMAMENTE IMPORTANTE para a espécie. SOB NENHUMA HIPÓTESE, cometa o erro de comprar lagosta fresca ou congelada sem a devida documentação entre o período de dezembro e maio - especialmente se planeja viajar de avião com o produto. Durante essa época, as lagostas estão fazendo um amorzinho gostoso para garantir que possamos continuar a comer lagosta por muitas gerações. A pesca e o comércio de lagosta durante esse período pode gerar multas pesadas e até prisão, portanto, muita atenção quanto à procedência! #ficaadica

D&G helps protect #lobsterlove
Para começar a agradecer, resolvemos ir devagar, em primeira marcha, ainda no modo easy, com uma receita super simples e igualmente deliciosa.

Tempo de preparo: 30 min
Rendimento: Serve 3 pessoas (calma, não fizemos os 8kg de uma só vez!)

Ingredientes:
6 Caudas de lagosta;
1 limão siciliano;
2 dentes de alho; 
Salsinha a gosto;
Sal a gosto;





Modo de preparo:



Corte as lindas caudas longitudinalmente, lave se achar necessário e organize-as em uma grelha. Deixe-as ali por cerca de 15 min ou até que pareçam prontas. As cascas mudarão de coloração visivelmente, tornando-se avermelhadas.






              ANTES




                               
                                       DEPOIS










Para o molho, coloque parte da manteiga clarificada em uma frigideira ou panelinha e frite em fogo baixo o alho picado e as raspas da casca do limão siciliano. Quando o alho começar a dourar, acrescente o restante da manteiga, sal e uma colherinha de chá do suco do limão siciliano. Desligue o fogo e acrescente a salsinha picada. 
Facim facim e maravilhoso!


ROCK LOBSTER!!!!


domingo, 20 de dezembro de 2015

PATÊ DE FÍGADO DE GALINHA


Bisa Dóra no casamento da 
Vovi Esther em 1950 (é isso vó?) 


O post de hoje é um tanto polêmico. Polêmico porque fígado, assim como mamilos, é um assunto polêmico. Alguns amam, outros não podem ver nem pintado de ouro - têm ânsia de vômito, enjoo, asco! Eu, obviamente, estou no primeiro grupo. 

No entanto, não pretendo divagar sobre miúdos (nem suínos, nem bovinos e nem de aves!). O que pretendo refletir aqui, entre miúdos, é sobre herança. Aquele direito de herdar, ganhar ou conquistar algo através de uma sucessão. Aquelas coisinhas que nos são transmitidas através de um outro alguém que nos quer bem. Gosto de ressaltar que nem toda herança que recebemos é obrigatoriamente boa, a saber, o meu nariz adunco não foi uma boa herança; já a cirurgia plástica que ganhei 20 anos depois, uhuuuu, obrigada pai, obrigada mãe! Herança maravilhosa. Outra herança incrível que recebi foram algumas receitas da minha bisavó Dóra (vulga Bobby). 

A Vovó Bobby era daquelas que se entregava integralmente à cozinha. Não media esforços para garantir o bem estar familiar quando o assunto era comilança. Nos pratos mais fartos ou naquelas receitinhas mais raras e complicadas, em que os netos iam se estapear pelo pedaço melhor ou maior, ela estava sempre no comando, se certificando que todos estariam satisfeitos, bem alimentados e, claro, se deliciando com os seus quitutes. 


Bobby em seu posto oficial - no comando da cozinha em 199X

Uma verdadeira mestra na cozinha, tinha seus segredos, mas os repassava em detalhes para quem estivesse realmente interessado e querendo aprender. "Nem muito quente e nem muito frio", "nem muito duro e nem muito mole"... Era assim, com riqueza de minúcias que foi passando para as futuras gerações essas deliciosas heranças.
Super caderno de receitas da casa da mãe, 
com a letra da vó .

Hoje, a receita da Bobby que vai cair na rede é a do patê de fígado de galinha. Esta delícia foi resgatada pela minha vó, que aprendeu com a bisa Dóra, e escreveu no caderno de receitas da minha mãe, que me mandou a foto para que eu pudesse mostrar pro povo do Sul o que é patê de verdade. Como sou a favor da multiplicação das heranças, vou deixar aqui a receita para os que quiserem se aventurar na maravilhosa cozinha da Bobby.

Tempo de preparo: aproximadamente 1h30
Rendimento: Muuuuito, sério!

Ingredientes:
- 1/2kg de fígado de galinha 
- sal e pimenta do reino a gosto
- 4 a 5 dentes de alho triturados
- Vinho branco seco (não diz quanto na receita, mas acho que uns 80 ml devem dar conta) 
- 1 cebola
- 2 ovos duros

Modo de fazer: 
Limpar os fígados tirando as gorduras e lavando. Colocar numa tigela e temperar com sal e pimenta a gosto e com o alho socado e deixar marinar com vinho branco ou um pouco de vinho e vinagre. Misturar bem e deixar no marinado por uma hora. Em seguida, picar bem uma cebola e refogar numa panela com azeite até que a cebola fique transparente ou amarelada. Acrescentar o fígado sem o caldo. Fritar por 5 minutos e logo colocar o caldo que sobrou da marinada. Deixar evaporar um pouco sem colocar a tampa da panela. É importante lembrar que o fígado vai soltar água também. Em seguida, diminua o fogo e deixe cozinhar por 15 a 20 minutos. Se ficar muito seco, coloque um pouco de água na panela. Deixe esfriar bem e bata no liquidificador com os ovos duros. O resultado é algo supremo, divino, com aquele sabor único de casa de vó.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Pizza 3.0

Vamos parar um instante para falar sobre pizza.


Esse cara sabe do que estou falando. 
Como os dois ou três leitores frequentes desse blog (e mais 12 russos) devem saber, eu tenho o sonho de fazer a pizza perfeita. Detalhes sobre essa empreitada épica já foram discutidos em outro momento. É suficiente dizer aos neófitos na leitura desse blog que apenas ficarei satisfeito com a minha pizza no dia em que ela for responsável pela paz mundial. 
Ok, talvez nem tanto. Mas no dia em que ela for universalmente conhecida como A melhor pizza do mundo e toda a comunidade global de adoradores de pizza se curvar perante o magnetismo sensual e travesso da minha pizza, posso dizer que cheguei ao meu objetivo. 
É possível que para atingir meu sonho eu demore ainda algumas décadas, precise fazer algumas dezenas de milhares de pizzas e, provavelmente, terraplenar a Itália e seus pizzaiolos com a ajuda do arsenal nuclear russo usando a crise na Síria como desculpa passar um bom tempo visitando a Itália e conhecendo os segredos mais íntimos da massa. Mas tudo bem, acredito ainda ter um bom tempo até chegar lá e não tenho pressa em atingir meu objetivo.
Pois esta é uma ambição que jaz no processo. Há um caminho a ser seguido em que algumas dezenas de receitas e experimentos terão que ser realizados, milhares de pizzas deverão ser consumidas. Farinhas especiais terão que ser importadas e fornos de pizza terão que ser construídos. Queijos e recheios serão utilizados em combinações sem medida e sem regra. É uma jornada longa, porém deliciosa, em que a Mog, minha família e meus amigos vão comer muitas pizzas enquanto eu fico na cozinha olhando a pizza assar no forno, para melhor entender as minúcias do processo.  Se você pensar com calma, essa é a atitude mais altruísta de toda uma vida. 

Ou seja, preparem o meu Nobel da Paz. 


* * *

A última receita de pizza, a pizza 2.0, era muito boa. Porém, muito boa não é suficiente. Problemas com o tempo de descanso e textura da massa deixavam ela um pouco dificultosa. O tempo de assar também não era confiável e mais de uma pessoa já havia me dito que era um pouco pesada. Bom, essa receita resolve todos esses problemas e mais alguns. Devo ficar com ela mais um ou dois anos, em desenvolvimento. Então, com vocês, a Pizza 3.0!



Tempo de preparo: 2 horas.
Rendimento: 8 pizzas médias.

Ingredientes:

-800g de farinha de trigo sem fermento (1kg caso não tenha farinha de semolina).
-200g de farinha de semolina (moída finamente).
-650ml de água morna.
-14g de fermento biológico seco.
-1 colher de sopa de açúcar.
-1 colher de sobremesa de sal.
-4 colheres de sopa de azeite. 
-1 sachê de melhorador de massa de pizza (10g) (se não tiver, não tem problema, ele torna mais fácil a hora de bater a massa e teoricamente dá um upgrade na qualidade geral).

Como fazer?

- Misture a água morna com o fermento, o açúcar e o azeite e deixe descansar por 10-15 minutos.
-Peneire em uma vasilha/tigela (bowl) grande a farinha de trigo, a farinha de semolina, o sal e o melhorador de massa de pizza. Misture os ingredientes secos peneirados com uma colher de sopa e faça um buraco no meio.
-Jogue a mistura de água com fermento etc no buraco feito nos ingredientes secos. Vá misturando a massa e jogando a farinha para junto da parte líquida aos poucos usando uma colher.
- Quando essa mistura inicial for feita, comece a misturar com as mãos. Limpas, por favor. Misture bem com as mãos e transfira para uma superfície devidamente higienizada e levemente enfarinhada. 
- Comece a sovar. Com vontade. Com agressividade reprimida. Mas com amor. Não é tanto uma questão de força (ou tamanho!), mas de energia e movimento. Levante a massa, dobre no ar, bata na bancada e aperte o centro com o carpo. Não um peixe - o marido da carpa -, a parte da palma da mão mais próxima do punho. Sim, exatamente como o Karatê Kid.

Como se a cara do japa fosse a massa.
(Disclaimer: sim, eu sei como termina essa cena)

- É importante agilidade na hora de sovar a massa: se for lento demais ela começa a grudar na sua mão e na mesa (pense uns 10-15 minutos sovando). Resista à tentação de botar mais farinha, coloque apenas se sentir que ela esta muuuito grudenta, mas não exagere: você já vai colocar mais farinha na hora de abrir a massa e muita farinha a mais pode deixar ela pesada. 
- Com a massa homogênea e lisa (mesmo que um pouquinho grudenta), enfarinhe ela por todos os lados e coloque em uma vasilha/tigela/bowl grande, cubra com pano de prato limpo e deixe em um ambiente quente da casa para crescer por uma hora. Entendo que "ambiente quente" não faça muito sentido para o nosso público acima do trópico de capricórnio, mas fica a dica para o pessoal que está em regiões mais frias, como nossos amigos na Rússia. 
- Descansou uma hora? A massa cresce bastante. Agora é hora de bater de novo a massa para tirar o ar, em uma bancada com um pouquinho de farinha. Feito isso ela está pronta, Yay!
- Se você for fazer toda a massa na hora, deixe na geladeira e vá tirando punhados grandes com uma mão para cada pizza que for fazer. Abra a massa em uma mesa com bastante farinha, usando um rolo de macarrão enfarinhado ou uma garrafa de vinho enfarinhada (essa segunda opção é mais arriscada, compre um rolo de macarrão, custa tipo 5 pila). Tente deixar a massa bem fina, faz tooooda a diferença, acredite! 
- Para conseguir o ponto perfeito dessa massa, deixe o seu forno ESTUPIDAMENTE QUENTE. Deixe na temperatura máxima por uns 20 minutos antes de colocar a primeira pizza. Já coloque a pizza recheada, com molho, queijo etc. Coloque o relógio para 12 minutos e ela deverá estar pronta. Cheque se a massa está ao seu gosto. 
- DOZE MINUTOS é o tempo no meu forno. Sugiro que coloque 12 minutos no seu e avalie.

DOZE MINUTOS.

- DICA: Faça a massa e congele em pacotes individuais e vá descongelando quando tiver vontade de comer uma pizza. Use sacos de congelamento colocando um punhado de massa para cada pizza média. É uma boa forma de economizar o trabalho de fazer massa toda vez que der vontade de comer uma pizza caseira. 



Duas boas dicas de recheio:
- Pizza Dr. Theophilo: molho de tomate, muzarela, tomate sem sementes cortado em cubos, um pouco de queijo parmesão de boa qualidade ralado por cima e folhas de manjericão frescas. Lembre-se de colocar as folhas de manjericão após a pizza sair do forno, para não queimá-las deixando-as com gosto amargo.

Infelizmente temos poucas boas fotos da pizza fora do forno.
Normalmente quando vamos tirar fotos ela já está assim. 

- Pizza Al Mare: misture um pedaço da massa (o suficiente para uma pizza) com tintura de lula (a venda nos melhores supermercados, lojas especializadas e no mercado público de Porto Alegre). Bata até a massa ficar negra (ou próximo disso) antes de abri-la. Recheie com molho de tomate, muzarela, camarões (previamente selados em uma frigideira, temperados com sal, pimenta e alho) e Catupiry. Coloque folhas de manjericão em cima antes de servir. Sim, eu entendo que é uma pizza de camarão com catupiry metida a besta, mas e daí? Dá trabalho misturar a massa com tintura de lula e nós nos demos ao direito de rebatizar.

"Sei lá, coloca que é um Yin-Yiang, um equilíbrio de energias
quando um define e o outro e outro define um,
porque pizza também é filosofia" GRINER, 2015. 



sexta-feira, 9 de outubro de 2015

BOLO DE CENOURA COM GOTAS DE CHOCOLATE (OU NÃO ;))

  "Hoje virei a página do meu diário
por temer a escrita do amanhã"
(Poema "Covarde" de Edison Boeira, 2009)

Antes de qualquer coisa, precisamos pedir desculpas pelo longo período sem fazermos qualquer postagem. Estamos bem, continuamos nos alimentando bem e amando cozinhar, desbravar e descobrir possibilidades culinárias. Estamos apenas indisciplinados para compartilhar as receitas por aqui. Mas esse não é o tema desse post. Apenas um adendo que achei pertinente.

***

 "O príncipe de tua vida
pode ser um sapo.
Terás que procurar.
Quando encontrares, 
com muito carinho,
sem asco...
Beijar."
(Poema "Nojo" de Edison Boeira, 2009)


Sem legenda. Se quer entender, leia o post todo.

Nesse post, queria compartilhar (além de uma receita delícia de bolo de cenoura) uma descoberta interessante desta semana. Morando há pouco mais de dois anos e meio em Porto Alegre, adorando receber visitas e dar a elas autonomia para entrar em casa quando quiserem, e sendo uma pessoa cabeça de vento o suficiente para perder as chaves de casa com frequência e nem sempre encontrá-las de volta, posso dizer que já tenho um chaveiro cativo em terra gaudéria. Confesso que até hoje não sabia o seu nome, mas as suas feições já poderiam ser reconhecidas se o visse em outros contextos. O seu local de trabalho é uma pequena banquinha de metal situada no centro histórico, de frente a um "super" (sim, supermercado aqui é chamado assim). Sempre que precisei de cópias, durante esse período, fui nessa banquinha. Se a cópia não ficava precisa, voltava lá e eles refaziam, ajeitavam, davam mais uma aprumada, uma lixadinha... Meu contato com o seu Edison e com o Luciano (seu sobrinho) se restringe a esses momentos de interação bastante pontuais. Nos minutinhos de espera para a chave ficar pronta, chamava-me a atenção a presença de alguns livros (uns 6) na bancada. Ficava intrigada com a presença descontextualizada daqueles livros ali. Mas nunca o suficiente para questionar algo a respeito. No entanto, essa semana, atentei para uma coisa que, até então, nunca havia notado. Aqueles livros eram de um mesmo autor. E seu sobrenome - Boeira - estampava a fachada da banca Boeira Chaves. Nesse dia, quem me atendia era o Luciano e resolvi perguntar: "Aquele senhor que trabalha aqui é seu pai? Ele também é escritor???". E foi assim que descobri que por trás da carcaça do chaveiro sério e experiente, havia um doce e delicado poeta. 

  "Queria trocar
cada objeto que tenho.
A meia, o sapato,
o sofá, a cortina
o imóvel, o automóvel,
a grandeza, a triste sina...
Por um olhar teu.
Por um beijo teu.
Por um filho nosso."
(Poema "Proposta" de Edison Boeira, 2009)

Não hesitei nem um segundo e, em um lampejo de cara-de-pau, pedi: "Você se importaria de me emprestar algum desses livros. Eu prometo que depois venho aqui devolver." O sobrinho me olhou com uma leve desconfiança frente ao pedido inusitado (talvez abusado) e me passou um livro fininho de poemas intitulado "O poeta, o sapo e o prato do dia". A atenção e precisão que necessita ter com suas chaves, Edison tem também com suas palavras. E foram essas palavras, meticulosamente escolhidas, lapidadas, polidas, ajeitadas e aprumadas que adoçaram a minha tarde chuvosa.  

  "Se queres um caminho novo
e não consegue encontrá-lo,
pergunta ao teu consciente
se, só vivendo o presente,
não vais com excesso atrasá-lo"
(Poema "Ponderar" de Edison Boeira, 2009)

Para acompanhar os poemas: bolo de cenoura com gotas de chocolate. Para agradecer pelos poemas: bolo de cenoura com gotas de chocolate.
Para quem ficou com água na boca: bolo de cenoura com gotas de chocolate. 

  "Tenho medo que a soma 
de tudo que tenho
não seja suficiente
para pagar
a primeira
parcela."
(Poema "Conta" de Edison Boeira, 2009)

Rendimento: 15 boas fatias ou 15 cupcakes
Tempo de preparo: 1 hora 

Ingrediente:
4 cenouras
0,5 xícara de óleo
3 ovos

2 xícaras de farinha
1,5 xícaras de açúcar
1 colher de sopa de fermento
200g de chocolate em barra (usei o meio amargo que não tinha leite na composição)

Modo de preparo:
Lave e descasque as cenouras, descartando as pontas, e corte-as em rodelas grandes (umas 4 ou 5 cada cenoura). Coloque as cenouras, o óleo e os ovos no liquidificador e bata. Eu costumo não bater muito, pois gosto de ver os pedacinhos da cenoura. Mas fica ao gosto de cada um. Despeje o esse creme em um outro recipiente misturando-o ao açúcar e à farinha com uma espátula. Acrescente o fermento e misture novamente bem. Por fim, pique a barra de chocolate e adicione à mistura. Coloque em uma assadeira untada ou em forminhas de cupcake e leve ao forno pré-aquecido a 220°C por 20 a 30 minutos, verificando com um palito de dentes quando ele está pronto (deve sair sujo de chocolate, mas não de massa de bolo). E bom apetite!

OBS: Esta receita também funciona sem gotas de chocolate e com ou sem cobertura.    


 "Tu que estás aí parado,
lendo esta poesia,
cumprimenta os vizinhos ao lado.
Sorria.
Perfeito
Vai ser bom,
vai ser ótimo
o teu, o meu,
os nossos dias."
(Poema "Feliz" de Edison Boeira, 2009)