sábado, 26 de agosto de 2017

HOT DOG - SIRIUS @ HOME

Então, esse cachorro encontrou a gente. Não “encontrou”, no sentido de que estávamos perdidos na rua, ou na vida – embora um GPS para a vida seria massa. Nos encontrou pois não éramos nós que estávamos no mercado em busca de cachorros. Mas ele recentemente tinha entrado no grande mercado de cachorros procurando os donos – infelizmente, sempre um mercado muito aquecido. Ele encontrou a gente.
Não que ele tenha entrado no Facebook e procurado a gente. Mas ele estava no dia 7 de agosto de tarde tentando entender como atravessar a Loureiro (pertinho do antigo apê), quando uma moça muito, muito, muito bacana – Kátia - resolveu parar para ajudar no processo. E assim essa moça percebeu que ele não tinha coleira, estava sozinho e assustado... perdido. Ou procurando. Em situação de rua, com certeza. Mobilização nas redes: Alguém conhece esse cachorro? Não. Mobilização nas redes: Alguém pode ficar com esse cachorro em casa, enquanto procuramos o dono? Mog diz: “Que tal?” Eu digo: “Hummmm, pode ser”. 
Estávamos prestes a nos mudar para o outro Rio Grande. Não o Rio Grande ao sul do Rio Grande do Sul. O outro Rio Grande. O do Norte. 4500 km de distância. Isso já era dia 8 de agosto, e eu estava ainda me recuperando da minha defesa de Tese, que aconteceu... dia 7 de agosto, de tarde. Eu nervoso, tentando convencer a banca. Ele, alguns quarteirões para cima, nervoso, tentando atravessar a rua. A ideia foi dar abrigo ao canino enquanto procuravam o dono. Boa ação mesmo. Two day job, tops. 
Mandamos mensagem para a Catherina (que ajudava a mediar a situação): podemos ficar. Nosso apê antigo era bem espaçoso para dois humanos, dava para abrigar um canino por alguns dias. Mas a cada mensagem que a Kátia ou a Catherina mandavam, eu imaginava que seria dizendo que o dono havia aparecido. Nada. Algumas pessoas vieram atrás – mas todos buscando um cachorro com idade diferente, tamanho diferente, sexo diferente... Ninguém realmente atrás dele. 
E assim ele foi lá para casa. Ainda com possíveis donos aparecendo. Foi uma quarta-feira de noite. Chegou guiado pela Kátia e pela Catherina. Kátia diz: “Olha, ele tem estranhado homens”. Ele dá uma cheiradinha na minha mão e quase pula no meu colo. Ok até aqui. 


E já no apartamento, ele entende que é visita. Anda pelo espaço, cheirando tudo e senta perto da gente na sala. Lindo. Preto. Labrador sem nenhum pedigree, ou no máximo um labralata muito convincente. Literalmente, o cão do rótulo do saco de ração dele é igual a ele. Quem ia abandonar esse cachorro? No mínimo, quem iria perder esse cachorro e não buscar desesperadamente? 
Hora de dormir, ele percebe e vai para a área de serviço. “Não, cara, pode relaxar. Tu veio para dormir na sala.” Levamos ele para a sala, lá ele se assenta e fica. Desligamos tudo, tiramos tudo o que era mastigável de perto e fomos dormir.
Primeira manhã, casa inteira. Nenhum estrago, nenhum xixi. Bexiga de ferro. Legal. Primeiro passeio com a gente, puxando bastante. Olhar isso aí. Primeira visita ao cachorródromo. Legal. Volta para a casa. Primeiro dia, tudo ok. Primeiro passeio vespertino, tudo ok. Em casa, barriga para cima e língua para fora. Nada do dono aparecer. Segunda noite... dois choros. Eita. Dia seguinte, mancando. Eita. O que pode ser? Será que foi abandonado na rua porque tinha alguma doença? Não, patinha torcida. Dois remedinhos e tudo ok. Senta! Aprendeu. Deita! Aprendeu também. Aprende rápido. Aprendeu que a comida chega mais rápido se esperar sentado. Aprendeu que se eu estou de ressaca, com 3 horas de sono e indo levar ele para passear a minha cara de “qual é” significa que é para ele sentar e colaborar na hora de colocar a guia. Aprendeu que 7 da manhã é hora do passeio e foi acordar a gente no sábado. Aprendeu em que lado da cama cada um dorme. Aí a gente aprendeu a fechar a porta do quarto. 
E nada do dono aparecer. Como chamar ele? Decidimos pelo nome Sirius, a estrela mais brilhante do céu, parte da constelação de Cão Maior. Mentira, Sirius na verdade são duas estrelas, Sirius A e Sirius B. Mentira dupla: ele é Sirius porque a Mog é fã de Harry Potter. Entendedores entenderão. 
Mas ele ainda não sabia que o nome dele era Sirius. E nada do dono aparecer para gritar o nome dele de verdade. 
E o Sirius não fazia arte, como todo labrador. Não destruiu um tênis, nem subiu em cima do sofá. Xixi dentro de casa nunca. No máximo no corredor do prédio. Se estatelava na cozinha quando estávamos cozinhando e na sala quando estávamos salando. E saía do caminho quando estava na passagem. Nunca mordeu, adorava um carinho na barriga e latia, como todo cachorro, mas parava quando a gente pedia. Na verdade, nem latir latia. Começou a latir quando percebeu que estava em casa.
E aí apareceram os donos. 
Nós.
Ok, google, como levar o Sirius para Natal, enter. 
Azul? Nope. Gol e Avianca? Até 30 kg, com caixa. Sirius pesa 28kg. No good. Latam? Sim! 45 kgs. Passagem muito mais cara. Tipo, o dobro mais cara. Hummm... Latam Cargo? R$2.133,90. Hahhahah... HAHAHAHAHAHAHAHA... HUAHUAHUAHAUAHAUAHAUAHUAH.

Ok, Latam. Caixa: máximo 115cm de altura, 300cm lineares, sem rodinhas... ok. 
Google, caixa de transporte de cachorro médio porte, enter. R$ 800, R$ 900, R$1200... $HIT! 

Kátia inicia a campanha “Sirius, Go Home”. Caixa? “Eu tenho!” Disseram alguns alguéns. “Tem?! MESMO?!” Dissemos nós. “Talvez eu tenha...” Disseram alguns alguéns. Ok. Caixa R$ 475 pila na pet logo do lado de casa. Dinheiro? R$10, R$20, R$40... R$175 na caixinha da lavanderia da Kátia. Tia Arbel enters the game: R$ 200 para a causa do sobrinho. Massa! Mais 80 pila da caixinha. R$ 455 de doações. Good enough!
Home sweet home


Caixa, check. Ocupava 1/5 da sala do apê antigo. Se colocar 4 rodas, um volante e um motor passa por um Volkswagen Up. 
Não demorou muito para o Sirius entender que ali era a casinha dele. Quando chegou o dia de desmontar o apartamento, com muita gente circulando pela casa, ficou preso ali pela primeira vez. E quando saiu e viu que todas as nossas coisas tinham ido, ficou confuso e preocupado.

Com o primo Chuletinha
Assim como confusos e preocupados ficamos nós com a mudança e com a devolução do apartamento. Mas depois de algumas noites mal dormidas, tudo ficou... ainda indefinido. Mudança de ambiente para a casa do Gui, da Ângela e do Chuleta (desconfiado). 

E assim chegou a véspera da viagem...
E o Sirius começou a tossir. E tossir. E vomitar. Eita. Flávia (veterinária voluntária muito bacana e que merece todas as energias positivas do universo e que cuidou do “passaporte” dele), o que fazer? “CORRE PRO VETERINÁRIO, SEUS MALUCO!”. Ok, é longe, estávamos sem carro. Mari e Israel surgem para o resgate e para a carona. “O que ele tem?!” Ah, um resfriado canino, kinda sucks, mas ele vai ficar bem. Ou a guia nova machucando a garganta talvez. Mas ele está bem. Yay! Viagem ainda de pé. Remedinho na veia para o enjoo, algumas bolsas de soro subcutânea (estranho) e tudo bem. 

E isso foi anteontem. E ontem foi o dia da viagem.
E foi ontem que o Sirius aprendeu o que é voar de avião. 

Tudo certo com a documentação e com a caixa. Nossos corações apertados ao deixar ele com os funcionários da Latam, que foram no mínimo 110% com a gente. Primeiro trecho até São Paulo, eu e Sirius de Latam e Mog de Avianca (muito mais barato). Mog chorando de preocupação em São Paulo, mas conseguimos vê-lo. Assustado, estressado... Mas bem. Próximo trecho até Natal. Motora de sacanagem, avião sambando do começo ao fim. Cada tremida era uma fisgada no coração. Mas tudo bem. Está chegando. 

E chegou. Bem, feliz, morrendo de sede e de fome. Mas acima de tudo, bem. E veio pra casa da Priscila (mãe da Mog), com um belo gramado, árvores e uma cachorra maluca que não sabe receber visitas. O avião agora era só um pesadelo bobo. 


E agora... Agora. Só agora consigo parar para pensar que até o momento, toda nossa preocupação com o Sirius foi com a operação para trazê-lo até aqui. Em cima de toda as muitas demandas da mudança, o Sirius entrou como uma cereja. Uma preocupação a mais. Mas uma boa preocupação. Sirius não era só uma boa causa, era a melhor causa. Era um cachorro procurando se não o dono, um dono. E acabou encontrando dois. Uma família.
E agora vem todo o resto. Todas as outras vacinas. Todas as visitas ao veterinário. Castração (ui!). Coleira anti-pulga, brinquedos, ração, e ele vai ficando velhinho, aiaiai...
Porque cachorro dá trabalho. Mas se você não está interessado em ter trabalho, também não está muito interessado em viver. E por favor, se não quiser trabalho, não se interesse em ter cachorro. O mercado de cães procurando donos já anda muito saturado. 



Hoje de manhã saí com o Sirius da casa da Priscila e descemos a rua. Bem rural, algumas cercas, alguns bois pastando. Descemos a outra rua, alguns cachorros latindo – Sirius não dando bola, outra coisa que ele aprendeu. Descemos mais um pouco e chegamos na praia. Ele levantou a cabeça, sentindo vento forte e ali ficou. Cheirando o ar e vendo o mar. E fomos andando, para a parte mais isolada da praia – só nós dois. Molhamos os pés. A onda trazia água, ele lambia. Água estranha. Mais uma onda, outra lambida. Aprendeu que tem águas e águas. Soltei a coleira e saí correndo, e lá vem ele correndo junto. Ainda no rasinho, aprendeu a pular onda. Ainda no raso, aprendeu a nadar. Labrador(lata) sabe tudo de água. Saímos da água e ele não sabia muito o que fazer com tanta areia e nenhuma árvore. Umas pedras estranhas, roxas. “Eu hein”. Mas voltava para perto quando eu chamava.

Porque agora ele já sabe que o nome dele é Sirius. 
E brincou de pega pega, tomou caldo, me deu uns arranhões, se esticou todo. E olhava pro mar, sem entender o que era aquilo. Mas sabe que gostou.