domingo, 16 de abril de 2017

SOPA THAI DE FRUTOS DO MAR

Há algumas semanas tivemos uma perda na Família. Não nos pegou de surpresa, não fugiu ao curso natural, mas nos deixou igualmente com um vazio e uma tristeza enorme. Ron foi se despedindo devagarzinho da vida, ficando mais fraco a cada dia, permitindo que nós, que ficamos, nos preparássemos para esse momento que sabemos que teremos que enfrentar algum dia, mas para o qual nunca estamos prontos. 


1986 - no Mar Morto - eu no colo da mãe com a vó e o Ron

Para aqueles que não conhecem a história, resumo aqui rapidamente. Eu e o Ron entramos oficialmente na família no mesmo ano (1985). Eu porque fui um esperminha ninja guerreiro que vingou e ele porque foi escolhido pela minha avó Esther, que resolveu experimentar um novo rumo para a sua vida ao se casar (pela segunda vez - naquela época isso não era tão comum, acreditem) com um norte americano e se mudar de mala e cuia para "as Califórnia". Nos últimos 32 anos, testemunhamos uma cumplicidade e parceria linda entre os dois até os últimos dias da vida. 



Em 2007 tive a oportunidade de fazer parte bem de perto do cotidiano do casal. Fui passar um semestre na Califórnia estudando e sob os cuidados e afetos que só vó sabe dar. Eu, que não costumo ganhar peso facilmente, rapidinho fui perdendo as calças que já não passavam mais pelas coxas. Todo dia de manhã era agraciada com um prato de frutas (carinhosamente chamado pelo Ron de "Fruti Pleiti"). Não tenho fotos do dito cujo para provar para vocês, mas sem dúvidas ali tinham uns 3/4 de umas 8 frutas diferentes (1/4 minha vovi sempre experimentava para ver se estavam boas antes de servir). Pois então, engordei comendo frutas! 


Em Big-Sur - Esalen. Road trip que fiz com o Ron em 2007 de Irvine a São Francisco pela High Way 1

Eu acordava sempre 30 minutos antes do necessário para poder comer todas as frutas e não desapontar a vó que as cortava e descascava com tanto esmero. Depois do café da manhã eu ia para a Universidade. Chegava em casa normalmente para a hora do carteado. Era um ritual diário ao qual eu era sempre convidada a jogar, mas que aconteceria de qualquer forma independente da minha participação. Normalmente rolava uma partida de Buraco e uma de Cassino. Se a mão vinha ruim, já se mandava um tradicional "I am full of cacarai". Se demorávamos para descartar, Ron mandava logo um "spill, spill". A casa era bilíngue: minha avó falava em português e o Ron respondia tudo em inglês e, assim, eles se entendiam. 
Às vezes eu chegava da aula e minha avó não estava em casa. Normalmente estava em algum dos supermercados próximos, com uma predileção especial pelo orgânico Trader Joe's. Quando eu perguntava por ela, Ron me dizia: "she went to meet her lover, Trader Joe's". 
Um dia eu saí de casa sem levar o meu celular, esqueci o bichinho em cima da mesa da sala. Quando cheguei de volta em casa, vi o Ron em cima de um banquinho mexendo no detector de incêndio. Estava fulo da vida, pois já havia trocado a bateria recentemente e o danado tinha voltado a apitar. Minha avó olhou pra mim e logo me explicou melhor a situação, disse que não era a bateria e sim passarinhos, mas que o Ron era cabeça dura. Poucos instantes depois o tal "bip bip" voltou a soar e eu, como juíza, tive que desapontar os dois, ninguém ganharia a aposta, o tal apito não passava do meu celular que estava o dia todo descarregando, e tirando a paz de quem estava perto.
Outro programa que já fazia parte da rotina eram as sessões de filme. Às vezes no cinema, às vezes no sofá de casa, mas sempre com um tempinho para discutir o tema em seguida, compartilhar impressões e opiniões. 

"Este filme é uma porcaria..."

"Mas vó, você dormiu o filme todo, não pode dizer isso!"
"Se fosse bom eu não tinha dormido. Dormi porque tava chato."
Muito justo.

Foi em uma dessas sessões que o Ron conseguiu me convencer a assistir o seu filme favorito: Cidadão Kane. Definitivamente eu não tive intelecto suficiente para captar o brilhantismo do filme. Adormeci algumas vezes e logo era cutucada com um "Hey, you're missing the best part!". Passados 10 anos, tudo que lembro do filme agora resume-se em uma única palavra: Rosebud.

Outra coisa que curtiam também era comer. Comer bem. Em casa, minha avó ainda gostava de cozinhar, ao melhor estilo brasileiro à moda americana. Não entende como isso funciona? Eu explico. Sabe o nosso feijãozinho? Então, minha avó comprava o feijão preto em lata, e cozinhava ele em uma panela com folhas de louro, por exemplo. Se era uma ocasião especial, tirava do armário os seus pratos de porcelana pintados à mão, por ela mesma, um a um, todos diferentes, únicos. Já sabia que na cozinha da vó eu não tinha muito espaço, então me prontificava a ajudar na louça. Quando eram os pratos especiais eu não tinha mais função, pois uma vez foram ajudar e quebraram um dos pratos do conjunto. Ela ficou com tanta raiva na ocasião, que mesmo tendo-se passado muitos anos, ainda preferia fazer tudo sozinha. 
Mas o casal gostava muito de sair para comer fora também. E para comer bem mesmo gostavam de ir a Laguna Beach, onde viveram por mais de 20 anos. Lá o programa era nostálgico, tudo tinha uma história, o salão de cabeleireiro, a rua onde moraram, a lojinha da dona fulana, o restaurante onde gostavam de ir no ano novo, à beira-mar para minha vó poder jogar uma rosa branca para Iemanjá. 
Um dos restaurantes que curtiam era um Tailandês, daqueles de verdade, onde os garçons te xingam e você nem faz ideia. Ron chegava lá e já sabia o que pedir: sopa de frutos do mar com coco. 

No ano passado, quando o Ron já estava morando em uma clínica, a minha mãe esteve por lá por algumas semanas e foi levada pela minha avó nesse restaurante. Minha mãe até quis olhar o cardápio, mas minha avó logo disse que ela devia comer o prato favorito do Ron que era a tal sopa. Minutos depois eu recebi uma foto no WhatsApp com a legenda: precisamos tentar fazer isso em casa!


A original.

A ideia ficou na cabeça, olhamos receitas, comprei pasta de curry vermelha, acabei não usando por meses, dei para a minha mãe, comprei outra nova pra mim e demorei mais alguns meses com ela fechadinha no armário (até ela vencer - shhhh, usei mesmo assim). Quando recebi a notícia do falecimento do Ron resolvi que era hora de colocar aquele curry em ação. O desejo era poder estar pertinho da avó e dividir com ela um pouco da dor daquele momento. Mas como a distância não permitiu, homenageamos a memória do Ron à nossa maneira.

  
Rendimento: 6 porções
Ingredientes:  
- 250g de camarão G descascado;
- 100g de mexilhão;
- 100g de lula limpa;
- 250g de polvo (cru);
- 1 colher (de sopa) de pasta de curry vermelha (red curry);
- 500ml de leite de coco (de preferência fresco - feito em casa);
- 3 batatas médias;
- 100g de espiguinhas de milho em conserva (mini-milho);
- 16 Tomates cereja;
- 1 colher (de chá) de gengibre ralado;
- Meio pimentão amarelo cortado em tirinhas (juliene);
- Meio pimentão vermelho cortado em tirinhas (juliene);
- 1 cebola cortado em tirinhas (juliene);
- 3 dentes de alho;
- Coentro a gosto;
- Manjericão;
2 colher (de sopa)de Nampla (tempero tailandês à base de anchova);
- 2 colher (de sopa)de Açúcar mascavo;
- Sal;

Como fazer:

- Cozinhe o polvo. Pode ser como ensinamos aqui.
- Cozinhe também as batatas descascadas e cortadas em cerca de 6 pedaços.  
- Prepare uma pasta com o alho espremido, sal e coentro picado e tempere os frutos do mar (exceto o polvo, que estará muito ocupado neste momento);
- Aqueça uma panela e acrescente um fio de azeite. Frite rapidamente a pasta de curry vermelho (essa hora é meio intoxicante, você vai entender), acrescente o gengibre, a cebola e os pimentões e deixe-os suar (dê uma leve fritada em fogo baixo).
- Em seguida, acrescente os frutos do mar que foram temperados e refogue-os até que mudem de cor.


Frutos do Mar já com polvo!

- Acrescente o polvo picado em pedaços de cerca de 2 cm, as batatas já cozidas e os mini-milhos. Mexa rapidamente e acrescente o leite de coco, o açúcar mascavo e o nampla e deixe ferver por cerca de 1 minuto.



- Acrescente os tomates cereja cortados ao meio e as folhas de manjericão.  
- Acerte o sal e sirva em seguida.


Nossa Versão

Sirva com arroz branco!